Diretora de A Viagem de Pedro desmistifica imagem de herói: “O que conhecemos é uma caricatura de Dom Pedro I”

Segundo Laís Bodanzky, imperador não era herói, tampouco tinha somente a faceta de mulherengo retratada em outras produções

Na última quinta-feira (01), o filme A Viagem de Pedro, chegou nos principais cinemas brasileiros. Com Cauã Reymond interpretando Dom Pedro I, o longa narra a trajetória do ex-imperador do Brasil a partir do momento em que ele sai do país rumo a Portugal, em uma longa viagem de navio, para retomar o trono roubado pelo irmão.

Este momento aconteceu apenas nove anos após a proclamação da independência do Brasil, que completa 200 anos no próximo dia 07, e durante a viagem, Pedro sofreu com diversas alucinações e lembranças de momentos de sua vida. 

Cauã, que assinou a produção do filme, foi o responsável por convidar a diretora Laís Bodanzky para estar à frente do projeto, inclusive assinar o roteiro. A Viagem de Pedro, inclusive está entre os seis filmes selecionados para concorrer a uma indicação ao Oscar 2023, um dos assuntos que a cineasta debateu em uma conversa exclusiva com o E-Pipoca. Ela ainda relatou seu processo de pesquisa, a falta de incentivo no setor cultural, e como espera que o público receba seu filme. Confira:

Esse projeto veio para você pelo Cauã (Reymond). É um projeto que foi uma iniciativa dele e ele te convidou para trabalhar no roteiro e dirigir. Como surgiu esse convite, como é que ele te convenceu a entrar nessa empreitada?

“Eu já admirava muito o trabalho do Cauã como grande ator que ele é, tanto na TV, como no cinema. E ele também admirava o meu trabalho. Nós já tínhamos, nos encontrado e falado do desejo de fazer um trabalho em conjunto. E um dia ele me chamou, junto com o Mário Canivello e falou: ‘Laís, eu tenho essa proposta, que é contar a história do Dom Pedro I, o que você acha?’ E eu gostei, porque achei que seria um projeto que teria essa união, de dois profissionais com esse desejo de trabalhar juntos, e contar uma história na tela grande. E também porque a história que ele trouxe do Dom Pedro, é olhar para um pedaço da nossa história do Brasil. Eu já tinha essa vontade antes, de colocar um olhar contemporâneo. Perguntei se essa proposta vinha também com uma liberdade, para que eu pudesse realmente emprestar a minha visão, e ele falou que sim. Então, com essa carta branca eu me dediquei à pesquisa e, claro, sempre mostrando para ele, a gente, conversando, descobrindo quem era esse Dom Pedro I. E foi assim que começou”.

Pedro (Cauã Reymond) em A Viagem de Pedro (Divulgação/ Globo Filmes)


Vocês estão trazendo no filme uma visão totalmente nova de Dom Pedro I, que não foi vista antes na TV ou cinema. Por que você quis retratá-lo dessa forma?

“Para nós brasileiras e brasileiros, temos uma imagem que é uma caricatura do Dom Pedro I. Na hora que você estuda mais a fundo, percebe as nuances e entende que ele não é aquele quadro de Pedro Américo, que foi pintado no Dia da Independência em cima de um cavalo, que é uma imagem de um herói, numa cena que nunca aconteceu de verdade. Esse é um quadro inventado que povoou o nosso imaginário, um quadro, aliás, copiado de um quadro francês, que foi feito inclusive muitos anos depois da Independência. Ou a gente tem esse esse imaginário, que vem desse quadro ou a gente tem uma imagem de uma caricatura, de um homem mulherengo. Sim, ele tinha vários amores e várias amantes, mas a maneira como ele é visto pela história, desde a época que passou pela crise política no Brasil, quando foi feita uma campanha de difamação dele, da imagem dele, é transformando-o num cara ignorante, burro, que era um fantoche do clero, e das mulheres que mandavam nele. E, na verdade, também não é isso, ele nem era esse fanfarrão, esse bobo, e nem era esse herói em cima de um cavalo. Agora esse olhar contemporâneo que eu acho que eu trouxe, é primeiro por eu ser mulher, de identificar nele um homem que de fato não tinha empatia nenhuma pelas mulheres e que tinha uma relação doentia com o sexo, de tal forma que provavelmente ele já tinha sífilis, e estava impotente por causa da doença já nesse momento quando ele deixa o Brasil, e delírios que é uma das consequências da sífilis mais avançada”.

“Leopoldina já tinha morrido, e ele tinha delírios com ela, e (a sífilis) deixa também a pessoa com uma imunidade muito baixa. E tudo isso dentro de um quadro político, de uma grande crise, ele estava isolado politicamente. Então esse personagem, com a visão minha, como mulher, entendo que ele tratou as mulheres como objeto, do tipo ‘agora você não serve mais ao meu projeto de vida’, assim as descartando de forma cruel. Essa não é uma coisa daquela época, É uma temática que eu acho que para nós, mulheres, temos mais consciência hoje. Naquela época o comportamento dele, era um comportamento esperado, padrão de um homem de poder. Mas hoje é inaceitável”.

Cauã Reymond em A Viagem de Pedro (Divulgação)

Você pode resumir o Dom Pedro I que a gente vai ver nos cinemas?

“Machista e tóxico, mas mesmo com essas características, que são fortes, tudo sempre tem um porquê. Um homem para ser agressivo com as mulheres é porque tem um problema com as mulheres, e com ele mesmo. Ele é inseguro, então o filme vasculha o inconsciente dele. A gente entra no pensamento dele, nas memórias dele, e escuta talvez coisas que são aquelas intimidades que a gente não tem coragem de contar para ninguém. Através da câmera, da narrativa, entramos até na loucura, no delírio dele. Em determinados momentos, você pensa: ‘Isso está acontecendo, ou não está acontecendo?’ Porque ele estava, também, flertando com esses delírios. A narrativa também convida o espectador a entrar na cabeça dele e ouvir seus medos, suas culpas, suas inseguranças. Para não ser só uma caricatura deste homem. ‘Por que essa pessoa é assim?’ Eu acho isso importante, a gente entender que mesmo uma pessoa que assinou a Independência do nosso país, é uma pessoa, com as suas questões, é um ser humano. A gente tem que entender que a história é feita por pessoas, não por semi deuses”.

Laís Bodanzky e Cauã Reymond nas filmagens de A Viagem de Pedro
Laís Bodanzky e Cauã Reymond nas filmagens de A Viagem de Pedro (Divulgação/ Globo Filmes)

Você mudou a sua percepção pessoal, tanto da história quanto do Dom Pedro I, depois do filme?

“Sim, minha percepção pessoal mudou porque conheci esse homem, com todos os seus erros, que são muitos. É muito interessante, através dele entender o Brasil daquela época. Um homem que dizia que ele não gostava de protocolos, ele não gostava do beija-mão, não gostava das cerimônias, gostava de andar descalço, de ficar de pijama em casa. Ele mesmo, abria a porta do palácio, mascando um matinho. Gostava de ficar na cozinha, conversando com os serviçais, mas ao mesmo tempo, é um homem que é um ditador, que é muito duro, que tinha, essa intimidade com os serviçais, mas uma intimidade que, no fundo, era uma forma de dizer: ‘Quem manda aqui sou eu”.

“É esse abismo social, essa estrutura de quem tem o poder econômico, quem tem o poder político, com a população, que está completamente, de fato, à deriva, em um Brasil escravocrata. Que, na verdade, não é tão diferente do Brasil de hoje, porque não foi feito um projeto de país até hoje. E nosso abismo social é, ainda, muito grande. Então através dele, fazer uma reflexão sobre o nosso país, fazer uma reflexão sobre outros personagens que não estão nas histórias oficiais quando a gente aprende na escola, que é: ‘Quem era a maior parte da população brasileira naquela época?’ A maior parte da população brasileira era de pessoas pretas, arrancadas de suas origens, de várias regiões distintas da África, cada uma vinda de uma região específica, com a sua cultura, com a sua religião, com a sua língua”.

“Então, trazer essa diversidade do Brasil daquela época, através do Dom Pedro, foi uma coisa que eu, ao estudar, percebi que era fundamental, que seria uma forma de contribuir para nós, brasileiros, fazermos uma viagem no tempo e entender um pouco de como era aquele país, e o porquê nós somos assim hoje. Olhando para trás, e percebendo que a opressão de raça e opressão de gênero permanecem hoje muito fortes, porque lá atrás elas já existiam muito fortes, e nada foi feito de fato”.

Pedro (Cauã Reymond) em seu retorno à Europa a bordo da nau inglesa Warspite em A Viagem de Pedro (Fabio Braga/Biônica Filmes/Buriti Filmes)

E por que você resolveu centrar nesse ponto específico, desta viagem dele, quando ele estava fugindo do Brasil de volta para Portugal, para tentar reaver o trono dele, que tinha sido roubado pelo irmão?

Foi muito difícil escolher que trecho da vida dele para contar, porque Dom Pedro é muito conhecido aqui, até o momento que ele vai embora. E em Portugal, ele também é muito conhecido, mas só a partir do momento que ele chega lá. Só que logo depois, ele morre. É como se fossem duas pessoas totalmente diferentes. Até porque têm nomes diferentes: aqui ele é o nosso Dom Pedro I, e lá (em Portugal) ele é o Dom Pedro IV”.

“O filme é uma coprodução Brasil-Portugal, e eu achei que era importante dar conta dos dois países, dessas duas personas dele, e não sabia qual recorte fazer, até que percebi que essa viagem que ele parte do Brasil, que nós conhecemos pouco, ele se preparando para a guerra contra o irmão, seria interessante para nós, brasileiros e para os portugueses também.

“Então, quando ele chega aqui, ele vem com este passado, e ao mesmo tempo, a própria travessia do Atlântico, é uma travessia simbólica, inclusive para Dom Pedro, pois ele sabia que provavelmente nunca mais voltaria [ao Brasil]. E ficar dois meses no Atlântico, em um momento que ele estava fragilizado, era um bom momento de se aproximar desse personagem de uma forma mais humana, pois quando uma pessoa está fragilizada, ela deixa a mente dela aberta, os demônios aparecerem, as culpas aparecerem. Achei que era um bom momento, esse limbo entre dois mundos”.

“E ao mesmo tempo, os outros personagens do filme, cada um está fazendo a sua própria travessia, então foi uma forma de dar espaço para que aparecessem novos personagens, principalmente os personagens pretos, que não são mencionados quando falamos de figuras heroicas da nossa história, mas que representavam o povo brasileiro”.

Sergio Laurentino e Cauã Reymond em cena de A Viagem de Pedro (Divulgação)

Como foi feita essa pesquisa para colher essas informações históricas?

“Eu tenho um livro específico, de um historiador, que é o Octávio Tarquínio de Sousa, que escreveu três volumes sobre a vida do Dom Pedro I. Ele escreveu muito mais sobre esse período, em 1920 ou 1930, por aí, se eu não me engano, e o texto dele é muito correto, a visão dele é muito correta e respeitada pelos historiadores. Ao mesmo tempo, é um texto daquela época, então eu precisei buscar novos materiais, principalmente desses personagens que não estão ali. Mas hoje a gente tem acesso a muitos livros, tem muitos jornalistas e historiadores contando essa narrativa de um jeito romanceado. Dois livros que foram importantes, um que é de uma coleção chamada Achados e Perdidos da História (de Leandro Narloch), que fala sobre brasileiros que não são conhecidos na história, justamente porque eram escravizados, e o 1º volume é sobre a escravidão no Brasil, são narrativas, documentos, que foram recolhidos em várias delegacias do Brasil daquela época. É muito interessante, porque são depoimentos dos próprios, que estavam ali por alguma situação, passando por uma delegacia. E é muito interessante conhecer a história deles e alguns personagens do filme, eu me inspirei nisso, como um início de uma construção (de personagem)”.

A Viagem de Pedro (Fabio Braga/Biônica Filmes/Buriti Filmes)

“Teve participação do elenco inteiro, do próprio Cauã, fazendo Dom Pedro, como de todo o elenco, principalmente os personagens pretos. Hoje tem um movimento preto no Brasil, muito importante. Os atores pretos são muito atentos e politizados à narrativa está sendo contada através do cinema. Então tê-los junto foi fundamental. E tem um outro livro que foi muito importante para mim, Laís, que foi o livro do Lázaro Ramos, Na sua Pele, que é um livro, um depoimento dele maravilhoso, que é um sentimento dele, que ele coloca no livro, que para mim foi muito importante para a construção do personagem do Tigre (interpretado por Calvin Denangowe)”. Então foi uma mescla, informações do passado, de hoje, do elenco, e, claro, uma contribuição de muita gente que leu o roteiro e comentou, não só o roteiro, mas também a montagem. Enfim, foi um processo de muita contribuição”.

Do resultado final do filme, o que realmente é história? Você precisou preencher muitas lacunas?

“Sim, o trecho que eu escolhi, que é a viagem de barco, justamente esse trecho, não tem nenhum registro histórico oficial. O que, aliás, foi para mim um atrativo, porque aí, como artista, eu pude ter mais liberdade de fazer um exercício de imaginação: ‘O que poderia ter acontecido nessa travessia, em 1831, numa fragata inglesa?’. Mas, é claro, trazendo todos os elementos verdadeiros, então tudo o que acontece ali dentro, principalmente com o Pedro, ele está impotente, ele tinha epilepsia, ele tinha delírios, eu não inventei, isso é fato, isso está contado em vários registros. Então eu pego essa essas informações objetivas e penso, ‘o que teria acontecido nessa embarcação, com uma pessoa com essas características?'”.

Pedro (Cauã Reymond) em A Viagem de Pedro (Divulgação/ Globo Filmes)

Temos conversado com cineastas e atores brasileiros que têm comentado sobre as dificuldades de se conseguir incentivo governamental e também de conseguir data e sala para lançar seus filmes nos cinemas, devido a grande concorrência com blockbusters. Vocês passaram por isso? Você poderia falar um pouco sobre isso?

“Infelizmente a gente tem esse atual, que eu considero, na minha opinião, um desgoverno, que não entende a importância da cultura para um país, no caso, o nosso, e vem terminando, interrompendo, atrapalhando todas as políticas públicas para a área de cultura. E o audiovisual está neste bolo, muito afetado com essa falta de projeto de políticas públicas, que vários países têm, como a Coreia do Sul, Inglaterra, Colômbia, mesmo os Estados Unidos, que as pessoas acham que não têm incentivo fiscal, tem incentivo fiscal sim. Não existe um país que não valorize sua cultura e não incentive a sua cultura local e o cinema como algo estratégico da economia criativa, até do ponto de vista do emprego. É de uma burrice você não incentivar porque o país ganha. Com esse incentivo você investe aqui, mas o retorno é muito maior ao seu investimento. O cinema, tem já há muito tempo uma política cinematográfica sendo feita, com uma raiz muito profunda, então pra você exterminá-la dá trabalho. Então, por mais esforço que esse desgoverno faça, nós temos coisas acontecendo ainda, como resultado de muito investimento nos anos anteriores. Este filme, A Viagem de Pedro, foi feito com o incentivo do fundo setorial do audiovisual. Ele é feito também com outro fundo da Ibero-Americano, que é o Ibermedia. Ele é uma coprodução com Portugal, então tem recursos de Portugal também. É um mix de vários fundos, que eu acho que é uma característica do cinema, principalmente na Europa e na América Latina, que são essas coproduções, e esse filme tem essa característica. É um filme que de fato é complexo, do ponto de vista da logística e da produção que foi feita pela Biônica Filmes. Um filme correto, um filme de época, com figurino, com maquiagem, com traquitanas tipo que foram construídas para gente reproduzir essa embarcação, o balanço do mar, as chuvas, as tempestades. Então é um filme que tem um valor de produção na tela, gigantesco, muito maior do que o que realmente ele custou. O que projeta na tela vale muito”.

“Retomando a sua pergunta sobre as políticas públicas. É fundamental não ter uma interrupção das políticas públicas e do cinema, que é uma indústria. Você não pode parar uma engrenagem, porque depois para ela retomar é muito mais complexo. Primeiro que eu espero que logo a gente mude o projeto de país. É a minha esperança. Mas é em paralelo, eu noto, que várias ações locais, município e Estado estão fazendo um esforço para fazer uma contraposição à ausência do Governo Federal e essas ações locais são muito importantes, e elas estão fazendo efeito”.

Victória Guerra em A Viagem de Pedro (Divulgação)

Estivemos conversando com um diretor que falou sobre a ignorância de muitas pessoas que não entendem o incentivo governamental, como ele funciona, você acha que isso prejudica muito?

“O fundo do audiovisual tem um recurso significativo que é mantido pelo próprio setor audiovisual, com contribuição de todas as empresas que exploram as telas das mais variadas formas, e elas contribuem a partir de apenas uma pequena, ridícula, porcentagem do seu lucro com este fundo. É realmente muito pouco para essas grandes empresas que exploram as telas, através do conteúdo audiovisual, que eles contribuam para a indústria local, para eles terem mais conteúdo para exibirem nos seus espaços que eles explorem”.

“Então eles se retroalimentam, esse dinheiro não é da saúde, não é da educação, não, esse recurso é feito do movimento do próprio setor. Se o setor vai bem, ele alimenta o seu fundo e se o setor vai mal, ele diminui. Então o sistema é muito inteligente, isso é a lei específica para o audiovisual”.

Mas mesmo a Lei Rouanet, que tem um outro sistema, é muito inteligente, é um mecanismo muito interessante, porque ela, ela, une o público com o privado, que faz uma união de empresas privadas que podem escolher os projetos de qualidade. Eles podem acompanhar os projetos. Eles podem se beneficiar com a sua marca, o que em outros países não é permitido, e aqui no Brasil pode”.

“E muitas empresas também se beneficiam da Lei Rouanet, pois elas ganham uma pontuação, porque isso reverte em ações sociais, em incentivos à cultura, eles ganham pontuações e quando eles vão pegar financiamentos, eles apresentam esses projetos, e eles ganham taxas melhores”.

“Então, as empresas privadas são beneficiadas, os agentes culturais são beneficiados, geram empregos, trazem a nossa cultura, a nossa língua, para um espaço de relevância, tratado com o respeito que tem que ter, e muitas vezes exportando também a nossa cultura, porque a gente não pode só consumir o que vem de fora, a gente tem que fazer uma troca”.

“A gente vê, por exemplo, a Coreia do Sul, que tem uma política pública de investimento na área cultural. Eles criaram o K-pop, que virou moda, e descobri que esse nome K-pop era o nome da Secretaria de Cultura do país, que deu tão certo, que o nome foi exportado como se fosse um gênero [musical]. Eles com o seu cinema, sua música, sua moda, estão ocupando espaço no mundo, se colocando e ganhando dinheiro através de um projeto de política pública. Não é de um dia para o outro que a coisa acontece, é um investimento para você colher lá na frente”.

E sobre o espaço, como é que foi? Vocês conseguiram o momento que vocês queriam?

“Não sabíamos se lançaríamos o filme este ano. Muitos outros filmes, que estão sendo lançados agora, foram filmados na mesma época que a gente, e estão sendo lançados todos juntos porque ficaram represados esperando o presencial voltar. O cinema que é da área cultural, é a que mais está tendo dificuldade para voltar ao patamar anterior à pandemia. O teatro voltou, os shows voltaram, mas o cinema não, porque o hábito do consumo de filmes mudou devido o streaming, que já era uma tendência mas na pandemia se solidificou. Então de fato, há uma dificuldade grande, primeiro de ter o público nas salas de cinema, o que é muito triste, porque as salas estão sofrendo, pode ser que muitas delas não aguentem e fechem, mesmos os grandes complexos e grandes redes também. Isso não tem a ver apenas com o cinema brasileiro, claro que sofremos mais porque estamos sem a nossa cota [de filmes nacionais], que nos defende dos blockbusters, que estão vindo com muito dinheiro, e de forma agressiva, pegando sempre os melhores horários. O cinema brasileiro não tem o mesmo dinheiro de marketing para fazer essa essa briga, e se a gente não tem uma proteção da nossa indústria, a gente sente mais. Além disso, tem o acúmulo de filmes lançando na mesma época. Temos uma qualidade nos filmes que estão sendo lançados agora, que é muito impressionante. Na semana passada saiu a seleção dos seis filmes que são finalistas, para um deles ser escolhido para representar o Brasil numa vaga no Oscar, e A Viagem de Pedro está lá entre os seis, que são todos incríveis e recomendo que assim que eles entraram em cartaz, alguns já entraram, que vejam, no cinema, porque é uma safra muito rica, muito bonita, de muita diversidade do nosso país inteiro. Quem distribui A Viagem de Pedro é a Vitrine Filmes, que tem um perfil de filmes de autor, e A Viagem de Pedro é até o momento, eles nos falaram isso ontem, o maior lançamento deles esse ano, porque teve uma repercussão muito grande. Eu acho que também por conta do bicentenário da Independência.”

Victória Guerra e Cauã Reymond em cena de A Viagem de Pedro (Reprodução Youtube)

Sobre a indicação para concorrer a vaga de indicado como Melhor Filme Internacional no Oscar 2023, como vocês receberam essa notícia, qual a expectativa?

“São seis filmes brasileiros e um deles vai ser escolhido, não sabemos qual vai ser, mas a gente já comemorou porque só de estar nessa lista é muito legal. Querendo ou não, coloca também um holofote na produção, chama atenção, é um selo de qualidade, porque é um júri grande que está observando isso, que definiu essa lista. Então pra gente é muito importante, e estamos muito contentes, acredito que qualquer um dos seis filmes é capaz de representar o Brasil muito bem no Oscar”.

Qual a expectativa com a reação do público ao filme? O que que você espera provocar?

“É um filme que o espectador tem que estar aberto e falar: ‘Vou fazer uma viagem de barco em 1831, vou atravessar o Atlântico’. Ele não é um filme difícil, porque não exige conhecimento histórico. Muita gente fica com medo de ver, e pensa: ‘Ai, mas eu não estudei, eu não me lembro’. Não precisa saber nada, só faz a viagem. Automaticamente, se você se entrega para essa viagem (porque ela é só uma viagem de barco, é importante não criar expectativas para além disso) quando você termina, fica com alguns sentimentos e reflexões importantes para os dias de hoje, como a questão justamente da opressão de gênero, como também a questão do racismo, da opressão de raça. O filme traz elementos muito contemporâneos, e ao mesmo tempo, ele pode ser também só visto como um entretenimento, como também pode ser uma provocação para o público saber mais da história. Eu percebo que muita gente que está vendo o filme, sai com vontade de buscar, de ler sobre aquele período, saber mais daquele personagem, sai com uma gana de saber. Isso, eu acho bom. Tem muitos professores que já viram o filme e querem exibir para os alunos, porque acham que pode trazer um debate muito bom, tem feito vários debates. Os debates são muito fortes, porque provocam muita reflexão sobre dias de hoje”.

Para finalizar, você acha que o filme pode se tornar uma referência a partir do lançamento dele, ou que ele virá a ser citado como uma referência para um conhecimento histórico um pouquinho melhor sobre Dom Pedro I?

“Olha, eu vou ficar muito feliz se ele ficar com uma referência, no sentido de construir um olhar mais crítico, entender que a história é contada sempre por um ponto de vista, e que aquilo não é a verdade absoluta. A gente tem que ter a compreensão, e ir atrás da informação e pensar: ‘Mas espera aí, essa mesma história, se fosse contada por outras pessoas, como seria?’ Eu espero que o filme contribua para a gente poder olhar para trás, e revisitar a nossa história, reescrever a nossa história e fazer a nossa história atual de uma forma mais humana”.

 

Esse conteúdo não pode ser exibido em seu navegador.

O que você achou? Siga @siteepipoca no Instagram para ver mais e deixar seu comentário clicando aqui.

Veja mais ›