CRÍTICA: Netflix se livra das porcarias e com Heartstopper faz sua melhor série adolescente em anos

Produtores deixaram de apostar em suspenses baratos, e colocaram em prática narrativa sensível

Quando a Netflix resolve adaptar qualquer obra transformando-a em série, seja quadrinho, livro, ou anime, o resultado pode dividir opiniões. Com isso, o serviço de streaming foi na contramão de seus últimos projetos ao lançar Heartstopper

Ao tratar a série como algo menor, e divulgar pouco, a plataforma evitou gerar expectativa, deixando que o público tirasse suas próprias conclusões na estreia. E Heartstopper tem um brilho lapidado por seus produtores, justamente para fazer o programa ir na direção oposta de qualquer produção adolescente dos tempos atuais. 

Nick (Kit Connor) e Charlie (Joe Locke) em Heartstopper (Reprodução)

A série conta a história de Charlie, um rapaz assumidamente homossexual que não tem problemas com a própria sexualidade, e enfrenta a dificuldade em ter uma relação. Ele se encontra às escondidas com outro rapaz que finge não ser gay, e finge não conhecê-lo quando está perto de outros amigos. A relação que beira o abuso tem fim, e é então que Charlie é obrigado a se sentar ao lado de Nick.

Nick embora retratado nas sinopses oficiais como o rei do esporte no colégio, não é o típico valentão americano (pudera, a série é britânica, o que já lhe confere um tom extra de criatividade – vale lembrar que diversas séries americanas como Shameless, The Office e Queer As Folk, fizeram sucesso na terra da Rainha antes de ganharem versões US), é um garoto extremamente sensível, que trata Charlie de igual para igual, e de uma amizade sincera, começa a nascer um amor.

Nick (Kit Connor) e Charlie (Joe Locke) em Heartstopper (Reprodução / Netflix)
Nick (Kit Connor) e Charlie (Joe Locke) em Heartstopper (Reprodução / Netflix)

A primeira grande diferença de Heartstopper para outras séries com personagens teens é o tom adotado, fazendo com que assuntos delicados sejam colocados em pauta, mas sem perder a doçura. A leveza como tudo é colocado na tela é invejável.

Elenco de Heartstopper (Divulgação Netflix)

Isso se reflete até mesmo nos personagens, que são adolescentes e agem como tal, colocando os pés pelas mãos, escondendo sentimentos quando na verdade deveriam mostrá-los, e até ficando inseguros a seu modo – as mensagens de textos que quase todos os personagens escrevem, e apagam tentando encontrar uma forma de dizer alguma coisa certeira é uma das maiores sacadas deste aspecto.  

Nick (Kit Connor) em Heartstopper (Reprodução)

A série é tão fofa que, além de conseguir gerar no público a expectativa pelo romance dos protagonistas, e pelo desenvolvimento deles – já que Nick claramente ainda está descobrindo sua sexualidade, envolto em questões sociais para com seus pares – gera ainda o medo de algo ruim aconteça com os personagens, e que atrapalhe o caminhar das coisas.

Kit Connor e Joe Locke em Heartstopper (Reprodução / Netflix)
Kit Connor e Joe Locke em Heartstopper (Reprodução / Netflix)

Isso se deve muito à forma como as histórias de amor LGBTQIA+ são construídas em Hollywood. Existe sempre algo para atrapalhar, uma infidelidade, um ruído de comunicação que destrói amores, ou mesmo uma morte de uma das partes (já virou piada o cinema ter predileção por matar LGTBs). Nós, o público, sempre esperamos temerosos que um acontecimento terrível surja: spoiler – em Heartstopper isso não acontece. 

Na série não há vilões, os conflitos se dão apenas pelas emoções da idade. Da parte técnica, além das óbvias interações visuais, que se sobrepõem a algumas cenas para exemplificar um pouco dos sentimentos dos personagens (e também homenagear as HQs nas quais o enredo se baseia), existe ainda um tipo de retidão nas cenas, sem grandes movimentos de câmera, e até determinado momento, sempre fechadas em um ou dois personagens. 

A paleta de cores também determina o tom da narrativa, que é sóbria, não fria, e se torna cada vez mais colorida (mas não vibrante), à medida que o relacionamento entre Charlie e Nick começa a dar sinais de solidez. Inclusive é nesse momento que os personagens (todos eles) “saem das caixas” que ficaram presos pelo limite de imagem das câmeras. As cenas passam a ser mais abertas, e sem o quê de angústia.

Especializada em fazer porcarias adolescentes, Netflix tem em Heartstopper um oásis depois de tantos anos.

Nick (Kit Connor) e Charlie (Joe Locke) em Heartstopper (Reprodução / Netflix)
Nick (Kit Connor) e Charlie (Joe Locke) em Heartstopper (Reprodução / Netflix)

PS: [Atenção! Spoiler] A revelação de que Nick é bissexual abre margem para que numa possível segunda temporada, uma menina se coloque entre ele e Charlie. Por favor, roteiristas e produtores, não deixem isso acontecer.

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