Verdades Secretas II é apenas um fan service que não deveria ter acontecido

Foi com o máximo de alarde possível que o Globoplay anunciou a “segunda temporada” de Verdades Secretas. Chamada de Verdades Secretas II, ela inicialmente foi tratada como série, e logo teve seu discurso alterado para ser nomeada de “a primeira novela feita exclusivamente para o streaming”.

Essa mudança de nomenclatura aconteceu muito possivelmente por culpa da avalanche de notícias que surgiu há alguns meses anunciando que a Netflix passaria a produzir novelas no país (já que suas séries originais não surtem efeito por aqui, devido ao público com síndrome de vira-lata que evita consumir produtos nacionais).

Verdades Secretas, a novela feita para a TV aberta em 2015 foi um sucesso. O texto nunca foi dos melhores. Ele tinha a marca registrada do autor Walcyr Carrasco: a falta de sutileza, o escárnio, e o flerte com o desserviço (cenas de homofobia, gordofobia e outras muitas ‘fobias’ disfarçadas de cenas divertidas eram constantes), mas ao lado dele tinham dedos Maria Elisa Berredo nos enredos centrais.

Naquela história o título da obra estava bem representado. Quais eram as verdades escondidas do enredo? A prostituição de luxo, o mundo pantanoso da moda, o uso desmedido do poder, o uso de drogas, e a relação de um empresário com a filha adolescente de sua nova esposa deram a resposta, e ela fazia sentido, sobretudo quando existia a direção no tom correto de Mauro Mendonça Filho. O sucesso veio em forma de Emmy Internacional.

Foi nisso que a nova continuação tentou surfar, mas um verdadeiro filme de terror se apresentou logo no primeiro capítulo, exibido para diversos países e marcando ao vivo na semana passada a chegada do Globoplay em novos territórios. Os capítulos da trama chegarão de 10 em 10 à plataforma a cada 14 dias, e talvez com sorte, o público consiga apreciá-los.

Angel (Camila Queiroz) em Verdades Secretas II
Angel (Camila Queiroz) em Verdades Secretas II (Divulgação/ TV Globo)

Furo no enredo

Logo de cara, a história apresentou um furo gigantesco. No final da novela de 2015, Angel (Camila Queiroz), depois de ver sua mãe, Carolina (Drica Moraes) tirar a própria vida em sua frente por ter descoberto o caso que ela tinha com Alex (Rodrigo Lombardi), atrai o empresário para uma lancha e o mata com vários tiros, antes de jogar seu corpo no mar.

Em Verdades Secretas II,  Giovanna (Agatha Moreira), filha de Alex, na tentativa de colocar a mão na herança deixada pelo pai, precisa provar que ele foi assassinado por Angel. Para isso, ela contrata Cristiano (Romulo Estrela), um investigador particular, que na primeira visita à lancha onde o ricaço foi morto, encontra um projétil, algo que nem a perícia encontrou seis anos antes.

A premissa da nova história é essa: o investigador contratado para provar que Angel é uma assassina, além de ter um caso com Giovanna, se apaixona pela investigada, gerando um estranho triângulo amoroso.

Angel (Camila Queiroz) e Cristiano (Romulo Estrela) em Verdades Secretas II
Angel (Camila Queiroz) e Cristiano (Romulo Estrela) em Verdades Secretas II (Reprodução)

Mas como toda novela que se preze, a mocinha (que aqui assume contornos dúbios) precisa sofrer. Angel perdeu o marido, Guilherme (Gabriel Leone) num acidente de carro, e ficou na miséria. Ao descobrir a doença do filho ela precisa ir até a agência de modelos, e voltar a fazer o alardeado book rosa para custear o tratamento e conseguir se sustentar.

Enredo e personagens

O enredo é pobre. Falta aos personagens propósitos de existência. Aos remanescentes da primeira temporada nem a passagem de tempo explica mudanças em seus perfis. Angel aparentemente mais adulta, não carrega mais a inocência de antes, mas tem em seu texto momentos de apatia disfarçados de maturidade.

Giovanna, que antes era uma adolescente rebelde e conseguia dar um frescor jovem à novela, sendo a única responsável por jogar algumas verdades incômodas na cara de outros personagens, agora é apenas chata. Uma jovem mulher que anda de calcinha 90% das cenas, usa sexo como moeda de troca, e grita descontrolada. Aparentemente Walcyr trocou Giovanna por Josiane, e não se deu conta.

Visky (Rainer Cadete) e Angel (Camila Queiroz) em Verdades Secretas II
Visky (Rainer Cadete) e Angel (Camila Queiroz) em Verdades Secretas II (Reprodução)

Visky (Rainer Cadete) brilha no perfil afetado. O problema aqui é que até a afetação do texto parece ser três tons acima daquele adotado em 2015. Maria Luisa Mendonça é uma grata surpresa assim como a estreante Julia Byrro, no papel de Lara, uma atriz promissora, mas que também caiu nas armadilhas do maniqueísmo desmedido dos autores logo em suas primeiras aparições ao dizer “Eu odeio a Angel”, e nos capítulos seguintes ter uma verdadeira obsessão pela protagonista (dignas do Joe, de You).

O enredo já se desenha com contornos de A Malvada, com Lara se aproximando de Angel para fazer sua vida mais difícil. Outros personagens novatos são difíceis de engolir, como Laila (Erika Januza), modelo internacional que está tentando voltar à carreira, e cheia de inseguranças resolve se entupir de remédios para emagrecer. Novamente, a sutileza é inexistente, inclusive no tempo para os efeitos colaterais dos remédios.

Giovanna (Agatha Moreira) em cena de sexo de Verdades Secretas II (Reprodução)

Excesso de sexo sem contexto

Mas e o sexo? Cadê o sexo? Verdades Secretas II foi vendida para o público como uma novela de streaming, e por isso poderia se livrar da classificação adotada na TV, com inúmeras cenas de sexo. No primeiro capítulo, uma cena digna de riso: Giovanna e Cristiano transaram no estacionamento em meio a movimentos de dança.

OK, o sexo na TV geralmente é coreografado, mas do jeito como aconteceu ficou apenas vergonhoso de assistir. Outras cenas com outros casais, héteros ou homo aparecem aos montes, muitas delas só para preencher uma deficiência óbvia: a falta de um enredo consistente. O ritmo da novela é outro problema. Ela não anda. Dos 10 capítulos disponibilizados pelo Globoplay, apenas três seriam suficientes para abrigar os acontecimentos.

Laila (Erika Januza) em Verdades Secretas II
Laila (Erika Januza) em Verdades Secretas II (Reprodução)

Atuações e direção equivocada

Para piorar um pouco a situação, os atores não estão nada bem em seus papéis, mesmo aqueles que estão interpretando os mesmos personagens pela segunda vez. Talvez a pandemia os esteja fazendo inseguros, ou seja a falta de uma direção de atores mais firme, que extraia o melhor deles. Amora Mautner, que é quem está a frente da direção artística já fez isso outras vezes, mas por que aqui não?

Por falar em Amora, ela está repetindo a parceria com Walcyr (os dois fizeram juntos A Dona do Pedaço, sucesso de público, fracasso de crítica), mas aqui ela joga na tela todos os seus exageros estilísticos, e suas manias. Como nos cenários das novelas da Globo faltam janelas, aqui Amora resolveu trabalhar mostrando a vida dos personagens através das janelas, (numa proposta meio vouyer). Interessante sim, mas cansa. Principalmente quando tudo é feito através de Chroma Key.

Laila (Erika Januza) em Verdades Secretas II
Laila (Erika Januza) em Verdades Secretas II (Reprodução)

A São Paulo vista por aquelas janelas não existe, está mais para uma versão tupiniquim de Gotham City. Inclusive o uso de janelas (nenhum cenário tem cortina) possivelmente foi um artifício usado para mascarar a falta de externas. Diferente da primeira novela, aqui elas não existem. As cenas são escuras, excessivamente escuras na tentativa de emular uma série, mas a trama falha ao fazer isso sem um planejamento (vide foto acima). Não é um escuro dramático, não é um escuro elegante, é apenas escuro.

Outra coisa sem motivo aparente são os letreiros indicadores de horários, que aparecem em algumas cenas e em outras não. O horário dos acontecimentos têm relevância para o enredo, que tem essa pegada policial, ou foi apenas para usar elementos visuais na tela, assim como é mostrado para o público as telas dos celulares dos personagens?

Blanche (Maria de Medeiros) em Verdades Secretas II
Blanche (Maria de Medeiros) em Verdades Secretas II (Divulgação/ TV Globo)

Não podemos esquecer dos OFFs. Eles também são irritantes (justamente porque assim como a escuridão, e os stock shots de prédios passando de um lado para o outro, são usados a exaustão) Em 50% das cenas, existem OFFs de personagens em sequências posteriores, com imagens não casadas com suas falas. Mas não existe nada bom em Verdades Secretas II? Existe sim. Maria de Medeiros, a atriz portuguesa conhecida por Pulp Fiction é um frescor como Blanche, a nova dona da agência de modelos. Ela cativa, e tem um ar mais leve do que Marieta Severo como Fanny. Ou Verdades Secretas II melhora em tudo em sua próxima leva de capítulos, ou vai ficar claro que ela não passa de um Fan Service mal executado.

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